"Percebia‑se agora de como tinha sido injusta: se realmente lhe tivesse um grande amor, teria ficado com ele no estrangeiro! Lá, ele era feliz e tinha uma vida nova diante de si! Mas ela, ela deixara‑o, ela viera‑se embora! É claro que se convencera que estava a praticar um ato de generosidade, que só se vinha embora por não querer ser um peso para ele! Mas seria essa sua generosidade mais do que um subterfúgio? Na realidade, ela bem sabia que ele havia de voltar, que havia de vir ter com ela! Chamara por ele, arrastara‑o consigo cada vez mais para baixo, como as fadas atraem os camponeses para as turfeiras e lá os deixam morrer afogados. Aproveitara um momento em que o apanhara com dores de estômago para arrancar‑lhe a promessa de que iriam viver para o campo! Como fora manhosa! Fora‑o sempre atraindo atrás de si, sempre para pô‑lo à prova, sempre para se assegurar do seu amor, e fora‑o atraindo sempre até ali, até ao estado em que o vê agora: grisalho e cansado, com os dedos meio mutilados, dedos que nunca mais poderão pegar num bisturi."
(A Insustentável Leveza do Ser - Milan Kundera)
Um comentário:
Esse é um exemplo de que há fraqueza no amor, ou vice-versa.
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