sábado, 3 de novembro de 2007

1984, ou seria 2007?

"Se há esperança, escreveu Winston, está nos proles. (...) Mas os proles, se de algum modo adquirissem consciência do seu poderio, não precisariam conspirar. Bastava-lhes levantarem-se e sacudir-se, como um cavalo sacode as moscas. Se o quisessem, poderiam demolir o Partido no dia seguinte. Mais cedo ou mais tarde, isso lhes haveria de ocorrer. (...)
Escreveu: Não se revoltarão enquanto não se tornarem conscientes, e não se tornarão conscientes enquanto não se rebelarem.
Refletiu que a frase poderia ser quase a transposição de um dos textos básicos do Partido. O Partido proclamava, naturalmente, ter libertado os proles da servidão. Antes da Revolução eram oprimidos pelos capitalistas, tinham sido chicoteados e submetidos à fome, as mulheres forçadas a trabalhar nas minas de carvão (na verdade, as mulheres ainda trabalhavam nas minas), as crianças vendidas às fábricas com a idade de seis anos. Simultaneamente, fiel aos princípios do duplipensar, o Partido ensinara que os proles eram naturalmente inferiores, que deviam ficar em sujeição, como animais, pela aplicação de algumas regras simples. Pouquíssimo se sabia a respeito dos proles. Não era necessário saber muito. Contanto que continuassem a trabalhar e se reproduzir, não tinham importância suas outras atividades. Abandonados a si mesmos, como gado solto nas planuras argentinas, haviam regressado a um modo de vida que lhes parecia natural, uma espécie de tradição ancestral. Nasciam, cresciam nas sarjeta, iam para o trabalho aos doze, atravessavam um breve período de floração da beleza e do desejo sexual, casavam-se aos vinte, atingiam a maturidade aos trinta, e em geral morriam aos sessenta. O trabalho físico pesado, o trato da casa e dos filhos, as briguinhas com a vizinhança, o cinema, o futebol, a cerveja e, acima de tudo, o jogo, enchiam-lhes os horizontes. Mantê-los sob controle não era difícil. Alguns agentes da Polícia do Pensamento estavam sempre entre eles, soltando boatos, marcando e eliminando os poucos indivíduos julgados capazes de se tornar perigosos; mas não se tentava doutriná-los com a ideologia do partido. Não era desejável que os proles tivessem sentimentos políticos definidos. Tudo que se lhes exigia era uma espécie de patriotismo primitivo ao qual se podia apelar sempre que fosse necessário levá-los a aceitar rações menores ou maior expediente de trabalho. E mesmo quando ficavam descontentes, como às vezes acontecia, o descontentamento não os conduzia a parte alguma porque, não tendo idéias gerais, só podiam focalizar a animosidade em ridículas reivindicações específicas. Os males maiores geralmente lhes fugiam à observação. A grande maioria dos proles nem tinha teletelas em casa. Até a polícia civil interferia pouquíssimo com eles. Havia enorme criminalidade em Londres! todo um mundo subterrâneo de ladrões, bandidos, prostitutas, vendedores de narcóticos e contraventores de todo tipo; mas como tudo se passava entre os próprios proles, não tinha importância. Em todas as questões morais, se permitia obedecerem ao código ancestral. O puritanismo sexual do Partido não lhes era imposto. A promiscuidade não era punida, e o divórcio era permitido. Nesse particular, até a adoração religiosa teria sido permitida se os proles demonstrassem algum sintoma de desejá-la ou dela carecerem. Ninguém desconfiava deles. Como dizia o lema do Partido: 'Os proles e os animais são livres'. "

Parece familiar? A "professia" está se cumprindo. Protejam suas mentes!

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Um comentário:

Unknown disse...

Agradabilíssima leitura. Voltarei para mais, e farei os devidos comentários =D

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