“Pois no Rio tinha um lugar com uma lareira. E quando ela percebeu que, além do frio, chovia nas árvores, não pôde acreditar que tanto lhe fosse dado. O acordo do mundo com aquilo que ela nem sequer sabia que precisava como numa fome. Chovia, chovia. O fogo aceso pisca para ela e para o homem. Ele, o homem, se ocupa do que ela nem sequer lhe agradece; ele atiça o fogo na lareira, o que não lhe é senão dever de nascimento. E ela - que é sempre inquieta, fazedora de coisas e experimentadora de curiosidades - pois ela nem se lembra sequer de atiçar o fogo: não é seu papel, pois se tem o seu homem para isso. Não sendo donzela, que o homem então cumpra sua missão. O mais que ela faz é às vezes instigá-lo: ‘aquela acha’, diz-lhe, ‘aquela ainda não pegou’. E ele, um instante antes que ela acabe a frase que o esclareceria, ele por ele mesmo já notara a acha, homem seu que é, e já está atiçando a acha. Não a comando seu, que é a mulher de um homem e que perderia seu estado se lhe desse ordem. A outra mão dele, a livre, está ao alcance dela. Ela sabe, e não a toma. Quer a mão dele, sabe que quer, e não a toma. Tem exatamente o que precisa: pode ter.
Ahn, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja.”
Vida ao Natural - Clarice Lispector
É, a efemeridade dos sentimentos não é privilégio de poucos...
Escrever como ela é um dom divino. Textos assim me deixam próxima ao nirvana. Não aqueles textos pedantes de pessoas que acreditam escrever algo realmente bom só porque tem alguma técnica e um computador conectado à Internet e é viciado em Wikipedia e ao descobrir algo ‘novo’ tem que colocar isso no seu texto... Conheço algumaS pessoaS assim... Infelizmente no plural... x.x
Por reconhecer minha ignorância e minha falta de talento que transcrevo aqui sábias palavras de alguém que provavelmente me entenderia.
2 comentários:
Os textos dela são realmente ótimos.
Espero não fazer parte dessas pessoas com textos pedantes,espero que não seja assim que você me avalie.
Beijos
essa serenidade da Clarisse me admira e me amedronta :o
Excelente autora.
algumaS pessoaS, que cheiro de indireta no ar.
uehuihihueuiehueuihuie
mas tá certo, o lixo digital está se propagando rápido demais.
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