sexta-feira, 22 de junho de 2007

Clarice Lispector - Parte 3

“Pois no Rio tinha um lugar com uma lareira. E quando ela percebeu que, além do frio, chovia nas árvores, não pôde acreditar que tanto lhe fosse dado. O acordo do mundo com aquilo que ela nem sequer sabia que precisava como numa fome. Chovia, chovia. O fogo aceso pisca para ela e para o homem. Ele, o homem, se ocupa do que ela nem sequer lhe agradece; ele atiça o fogo na lareira, o que não lhe é senão dever de nascimento. E ela - que é sempre inquieta, fazedora de coisas e experimentadora de curiosidades - pois ela nem se lembra sequer de atiçar o fogo: não é seu papel, pois se tem o seu homem para isso. Não sendo donzela, que o homem então cumpra sua missão. O mais que ela faz é às vezes instigá-lo: ‘aquela acha’, diz-lhe, ‘aquela ainda não pegou’. E ele, um instante antes que ela acabe a frase que o esclareceria, ele por ele mesmo já notara a acha, homem seu que é, e já está atiçando a acha. Não a comando seu, que é a mulher de um homem e que perderia seu estado se lhe desse ordem. A outra mão dele, a livre, está ao alcance dela. Ela sabe, e não a toma. Quer a mão dele, sabe que quer, e não a toma. Tem exatamente o que precisa: pode ter.

Ahn, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja.”

Vida ao Natural - Clarice Lispector


É, a efemeridade dos sentimentos não é privilégio de poucos...

Escrever como ela é um dom divino. Textos assim me deixam próxima ao nirvana. Não aqueles textos pedantes de pessoas que acreditam escrever algo realmente bom só porque tem alguma técnica e um computador conectado à Internet e é viciado em Wikipedia e ao descobrir algo ‘novo’ tem que colocar isso no seu texto... Conheço algumaS pessoaS assim... Infelizmente no plural... x.x

Por reconhecer minha ignorância e minha falta de talento que transcrevo aqui sábias palavras de alguém que provavelmente me entenderia.

2 comentários:

Eric Paes disse...

Os textos dela são realmente ótimos.
Espero não fazer parte dessas pessoas com textos pedantes,espero que não seja assim que você me avalie.
Beijos

Rhenan Ventura disse...

essa serenidade da Clarisse me admira e me amedronta :o

Excelente autora.

algumaS pessoaS, que cheiro de indireta no ar.
uehuihihueuiehueuihuie
mas tá certo, o lixo digital está se propagando rápido demais.